sábado, 18 de setembro de 2010

A festa dos sacos se pipoca


Antônio, conhecido como seu atochadinho, tem um carrinho de churrasco em Cachoeira do Manteiga. “Projeto esperança, a criança em primeiro lugar, 24 horas no ar, sem parar”. Essa é a frase estampada no carrinho. De madeira, com o freezer ligado numa bateria, parece ter sido feito todo à mão. “Que projeto é esse seu atochadinho?”, pergunto. "Projeto é aquilo que você projeta na cabeça. É a idéia. Eu acho que criança é mais importante e escrevi”, ele explica. E de onde vem o nome atochadinho. “È para chamar a atenção, por que deixa o povo curioso”. Ele cria suas estratégias e sabe da importância das filmagens, da fotografia. “O pessoal do Rio de Janeiro veio aqui e filmou o carrinho”. Ele pergunta se a gente não quer ir lá e fotografar para passar a imagem adiante.

Seu atochadinho já morou em São Paulo e foi para Cachoeira do Manteiga por acaso. Chegou lá e gostou. A cidade com suas ruas de terra, casas de adobe poderia ser o retrato de um lugar de pobreza. Não fosse a agitação das crianças, suas peraltices e as mulheres que andam pelas ruas com seus bobs gigantescos. A cidade respira um ar de alegria onde o ritmo das coisas corre lento e onde o povo se esconde por precaução. Em cachoeira do Manteiga, a água pega fogo como ilusão, mas é por causa do gás que sai da terra. A tela infla como balão, mas é cinema.

A sessão

Dessa vez eu tive a missão de anunciar a abertura do evento. “Oi gente. Boa noite”, gritei tentando esconder o acanhamento. Com o mesmo receio, muitas pessoas evitaram se aproximar da tela. Ficaram atrás, na esquina, observando o filme de longe. Chamo todo mundo pra frente com o microfone, mas não adianta.

De pé, um senhor fixa os olhos no filme “Menino da porteira”. Convido para sentar, mas ele balança a cabeça indicando um não. Horas depois, o mesmo senhor na mesma posição. O filme de narrativa simples arrebatou a cidade. Bem certo que seja pelo fato de todo mundo conhecer a música e aguardar a hora do menino morrer no meio da boiada. A criançada estava agitada, atirando tudo que via no projetor. Taynara liderava a confusão e inovava com idéias impossíveis, como a de por pedra dentro do saco de pipoca. “Ela não tem limite”, comentei com o psiquiatra Belisário que acabava de integrar a equipe do projeto como convidado. “Ela não tem limite por que tem muitas idéias”, ressaltou.

No momento de tensão, os meninos se calaram. A festa de sacos de pipoca parou. A garotada se ajuntou no meio da lona e o senhor arregalou os olhos. Essa foi a hora esperada. O menino da porteira morreu pisoteado pela boiada sem a chance do resgate do boiadeiro.

Do outro lado, atochadinho vendia seu churrasco de maneira que via o filme bem de longe. A narrativa ressuscitou memórias do passado que atochadinho contou sem dramatizar. Diferentemente da narrativa trágica do filme, ele contava com tranqüilidade. “O São Francisco me levou três parentes”, dizia ao mesmo tempo em que falava da importância do projeto que segue esse mesmo rio. O irmão de dois anos caiu no São Francisco, a mãe foi tirar e se afogou. A tia chegou a tempo e conseguiu salvar o garoto que hoje está em qualquer lugar do mundo. “Vou escrever uma carta para o Gugu e ver se encontro meu irmão”, diz. Seu atochadinho sabe da importância da comunicação: “Só eles poderiam encontrá-lo”.

Um comentário:

  1. Não tem uma imagem do seu Atochadinho e seu carrinho de churrasco? E o máximo isso dos bobs no cabelo. Desperta várias lembranças em quem veio do interior. Beleza de texto!

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