O gado passou por cima da história, da comunidade, das casas, das quatro oficinas e do engenho. “Às vezes me chamam de negro. Pensando que vou me humilhar, mas o que eles não sabem é que isso só me faz lembrar. Que venho daquela raça que lutou para se libertar.” A música do começo do filme de Tomé Nunes se mistura à paisagem do quilombo e as histórias de degradação do ser humano. Não teve jeito de segurar o choro. A cantiga que o artista Joasir canta se mistura à homenagem da equipe para o aniversário do Inácio, idealizador do Cinema no Rio. Inácio que nunca teve medo de mudar as coisas e que fez questão de que o cinema fosse para Tomé Nunes, mesmo de última hora.
A emoção era de tristeza e alegria ao mesmo tempo. Tristeza pelo passado massacrante desse povo e alegria de ver a concentração nos olhos da comunidade que nunca viu cinema. Cada cena era motivo de riso. Cada história era motivo de discussão. “Se isso acontecesse comigo, eu nunca mais iria em festa nenhuma”, os adolescentes refletem sobre a animação da noiva que dançou depois de morta. Todo mundo ri alto e ao mesmo tempo com a experiência de ver cinema junto.
Maria Clara conhecida como Clarinha, não sabe ao certo a idade, talvez uns 70 e tantos anos. Ela nunca foi ao cinema. Tinha que cuidar dos 12 filhos e não dava tempo de parar para ver as imagens em movimento. Clarinha morava no quilombo até o dia em que os fazendeiros soltaram o gado e destruíram tudo. “Aqui era próspero. Vendíamos farinha, ovos e tinha até engenho”, ela relembra.
Depois da destruição, os fazendeiros ameaçaram matar todo mundo se eles não abandonassem a terra. O terreno era do negro que, na época dos escravos, tinha a posse. Mas não teve jeito de resistir. Maria conta que uma das moradoras morreu ao presenciar os acontecimentos. A outra amiga foi se contorcendo toda até travar as pernas e nunca mais conseguir andar. Não tinham muitas opções a não ser sair pelo mundo sem nenhum pertence. Maria foi para Carinhanha com seus filhos, catar os restos de comida do mercado. Depois ela voltou para o quilombo que nunca mais voltou a ter a prosperidade de antes.
Mas hoje o quilombo tem escola e tem Leobino como dedicado professor. Mãe Velha se lembra da época em que os filhos tinham que estudar em Carinhanha. “Em Carinhanha era tudo escolhido, até a merenda ia só para os brancos", conta. O filho dela era muito inteligente e resolvia, de cabeça, os problemas que a professora passava no quadro. Mas a professora só chamava ele de neguinho e o expulsou de sua classe. Mãe Velha só conseguia chorar porque o sonho do menino era ter formação. Ela foi até o padre que conseguiu uma bolsa e o menino estudou em escola particular. Hoje ele já se formou em enfermagem e trabalha em Belo Horizonte. “O sonho dele era cuidar de doente”, diz Mãe Velha.
A comunidade, silenciada pelo tempo, já se esquecia das tradições, brincadeiras e cantigas. Com a história do quilombo, as reuniões, a comunidade voltou a se lembrar do passado e reconstruir uma história. “Tânia meteu a mão em tudo e alevantou. Essa mulher veio de Deus e trouxe alegria para o povo.”, lembra. A Tânia é uma mulher de fora que, passando pela comunidade, teve o desejo trazer à tona a história e as tradições.
A emoção era de tristeza e alegria ao mesmo tempo. Tristeza pelo passado massacrante desse povo e alegria de ver a concentração nos olhos da comunidade que nunca viu cinema. Cada cena era motivo de riso. Cada história era motivo de discussão. “Se isso acontecesse comigo, eu nunca mais iria em festa nenhuma”, os adolescentes refletem sobre a animação da noiva que dançou depois de morta. Todo mundo ri alto e ao mesmo tempo com a experiência de ver cinema junto.
Maria Clara conhecida como Clarinha, não sabe ao certo a idade, talvez uns 70 e tantos anos. Ela nunca foi ao cinema. Tinha que cuidar dos 12 filhos e não dava tempo de parar para ver as imagens em movimento. Clarinha morava no quilombo até o dia em que os fazendeiros soltaram o gado e destruíram tudo. “Aqui era próspero. Vendíamos farinha, ovos e tinha até engenho”, ela relembra.
Depois da destruição, os fazendeiros ameaçaram matar todo mundo se eles não abandonassem a terra. O terreno era do negro que, na época dos escravos, tinha a posse. Mas não teve jeito de resistir. Maria conta que uma das moradoras morreu ao presenciar os acontecimentos. A outra amiga foi se contorcendo toda até travar as pernas e nunca mais conseguir andar. Não tinham muitas opções a não ser sair pelo mundo sem nenhum pertence. Maria foi para Carinhanha com seus filhos, catar os restos de comida do mercado. Depois ela voltou para o quilombo que nunca mais voltou a ter a prosperidade de antes.
Mas hoje o quilombo tem escola e tem Leobino como dedicado professor. Mãe Velha se lembra da época em que os filhos tinham que estudar em Carinhanha. “Em Carinhanha era tudo escolhido, até a merenda ia só para os brancos", conta. O filho dela era muito inteligente e resolvia, de cabeça, os problemas que a professora passava no quadro. Mas a professora só chamava ele de neguinho e o expulsou de sua classe. Mãe Velha só conseguia chorar porque o sonho do menino era ter formação. Ela foi até o padre que conseguiu uma bolsa e o menino estudou em escola particular. Hoje ele já se formou em enfermagem e trabalha em Belo Horizonte. “O sonho dele era cuidar de doente”, diz Mãe Velha.
A comunidade, silenciada pelo tempo, já se esquecia das tradições, brincadeiras e cantigas. Com a história do quilombo, as reuniões, a comunidade voltou a se lembrar do passado e reconstruir uma história. “Tânia meteu a mão em tudo e alevantou. Essa mulher veio de Deus e trouxe alegria para o povo.”, lembra. A Tânia é uma mulher de fora que, passando pela comunidade, teve o desejo trazer à tona a história e as tradições.
Relampejando
Os meninos jogam futebol no chão ainda coberto de poeira. As mulheres do quilombo aguardam nossa chegada debaixo da árvore de sombra boa. A equipe chega para inflar a tela e montar a estrutura. O caminhão com o cinema vem por estrada que afunda de poeira, estreitinha e cheia de curva. As pessoas nos recebem com sorriso e abraço apertado. Mas acham estranho que o cinema tenha chegado até ali. Brincamos de roda e improvisamos versos que são passados pelas gerações.
De tardezinha os ruídos, distinguimos que vinham do céu. A discussão era se ia chover ou não. A chuva é benção para quem aguarda ansioso pela sua chegada, mas pode impedir a sessão de cinema a céu aberto. Mesmo assim a equipe não desanimou, começou a inflar a tela de cinema que se sustenta pelo ar.
Os trovões já cortavam o céu, prenunciando o inevitável. Colocamos um primeiro filme para a comunidade ir chegando. As crianças já ocupavam as cadeiras a tempo, mas a idéia era juntar mais gente. Depois “do Até o Sol Raiá”, os vídeos dos patrocinadores que vem sempre antes do filme da cidade. No momento mais esperado, uma surpresa. Os filhos de Inácio e sua esposa começam a parabenizá-lo pelo aniversário. Depois Marquinhos, da tripulação puxa um parabéns. “é pique, é pique. Como é que termina?”, confunde Marquinhos no filme. A cena da equipe que continua a cantar a música. Inácio na sua inquietude, fica por um momento parado. Chora com uma lágrima discreta, mas perceptível. Chega e comenta: “A sessão está bonita, né?”, escondendo a emoção em ver o inesperado na tela.
Começa a Marvada Carne e a diversão da comunidade com a saga do matuto do interior que fez de tudo por um pedaço de carne de boi. A chuva cai do céu de uma vez só. Os relâmpagos iluminam a sessão que tinha luz apenas da tela de cinema. A comunidade se esconde. Alguns aproveitam da barraquinha de pipoca. Eu, Cris, Amanda permanecemos debaixo de uma árvore, sem medo dos relâmpagos. Cris fotografa os pingos de chuva na luz da tela de cinema. Eu não me movo, deixo a chuva cair e com olhar perdido vejo a festa do cinema acabar com o filme pelo meio. Aprecio a cena que não deixa de ser bela. A equipe da técnica e a produção correm de um lado para o outro, a comunidade na porta das casinhas de adobe, os relâmpagos adornando o céu e a chuva molhando o que parecia ficar seco para sempre.
Os meninos jogam futebol no chão ainda coberto de poeira. As mulheres do quilombo aguardam nossa chegada debaixo da árvore de sombra boa. A equipe chega para inflar a tela e montar a estrutura. O caminhão com o cinema vem por estrada que afunda de poeira, estreitinha e cheia de curva. As pessoas nos recebem com sorriso e abraço apertado. Mas acham estranho que o cinema tenha chegado até ali. Brincamos de roda e improvisamos versos que são passados pelas gerações.
De tardezinha os ruídos, distinguimos que vinham do céu. A discussão era se ia chover ou não. A chuva é benção para quem aguarda ansioso pela sua chegada, mas pode impedir a sessão de cinema a céu aberto. Mesmo assim a equipe não desanimou, começou a inflar a tela de cinema que se sustenta pelo ar.
Os trovões já cortavam o céu, prenunciando o inevitável. Colocamos um primeiro filme para a comunidade ir chegando. As crianças já ocupavam as cadeiras a tempo, mas a idéia era juntar mais gente. Depois “do Até o Sol Raiá”, os vídeos dos patrocinadores que vem sempre antes do filme da cidade. No momento mais esperado, uma surpresa. Os filhos de Inácio e sua esposa começam a parabenizá-lo pelo aniversário. Depois Marquinhos, da tripulação puxa um parabéns. “é pique, é pique. Como é que termina?”, confunde Marquinhos no filme. A cena da equipe que continua a cantar a música. Inácio na sua inquietude, fica por um momento parado. Chora com uma lágrima discreta, mas perceptível. Chega e comenta: “A sessão está bonita, né?”, escondendo a emoção em ver o inesperado na tela.
Começa a Marvada Carne e a diversão da comunidade com a saga do matuto do interior que fez de tudo por um pedaço de carne de boi. A chuva cai do céu de uma vez só. Os relâmpagos iluminam a sessão que tinha luz apenas da tela de cinema. A comunidade se esconde. Alguns aproveitam da barraquinha de pipoca. Eu, Cris, Amanda permanecemos debaixo de uma árvore, sem medo dos relâmpagos. Cris fotografa os pingos de chuva na luz da tela de cinema. Eu não me movo, deixo a chuva cair e com olhar perdido vejo a festa do cinema acabar com o filme pelo meio. Aprecio a cena que não deixa de ser bela. A equipe da técnica e a produção correm de um lado para o outro, a comunidade na porta das casinhas de adobe, os relâmpagos adornando o céu e a chuva molhando o que parecia ficar seco para sempre.
Tomé Nunes me fez lembrar de outra comunidade por onde passamos com outro projeto! A alegria de um povo que recebe o estranho com felicidade. Pouco antes de toda a equipe chegar eu fui levar os mantimentos para o jantar que seria preparado na escola.
ResponderExcluirAs crianças cercaram o carro gritando e dando gargalhadas, pedindo uma bola de futebol! Uma mistura de surpresa e encantamento!Fiquei apaixonado por aquele povo!