Em nossa andança pelas margens do Velho Chico, exibindo algumas histórias no telão e ouvindo outras tantas em cada praça, quintal, ou botequim, a sensação é de mergulhar de ponta nos contos e causos de Guimarães Rosa, o escritor que marcou a literatura brasileira com seus causos de inspiração do cerrado mineiro e seu povo.
Depois dos filmes, em um bate papo com a equipe do Cinema no Rio elas tentavam explicar a idade. “Naquele abril, sabe? A gente fez 90 anos. Agora nesse último abril que foi esse ano, a gente fez 74.” O ano é o de menos, o que interessa pra gente é o causo. “A gente veio pra cá no ano da fome, você lembra? A gente era criança. “Minha mãe trouxe nós duas assim, uma enganchada do lado e a outra do outro. Um dia Maria caiu na moita, mas eu fiquei bem agarradinha”, explica uma das senhoras falantes e cheias de gestos. “A gente comia fruta do mato e os peixes que o pai pescava no rio, quando ainda tinha peixe bastante”. Hoje o peixe acabou.
— Mas as senhoras ainda vão ao rio?
— Todo dia a gente pega a água lá.
— Para quê?
— Pra beber, pra lavar roupa, para cozinhar. A gente não gosta da água da Copasa porque é muito branca!
Entre uma história e outra, cantavam músicas, entoavam orações com os braços erguidos para a Igreja São Francisco e rodavam as saias sempre sincronizadas.
— As senhoras vêm muito à igreja?
— Sempre! O novo padre é uma beleza. Ele abraça a gente! Você conheceu o outro? Aquele Deus há de me perdoar.
E continuavam rodar embaladas por “Mulher Rendeira”.
— “A gente gosta muito de cantar, de festa. Quando não tem festa a gente não está ‘sastisfeita’”, conta Maria.
— Então canta mais uma:
— Ah leke, leke, leke, leke. Leke é gostoso, né???
Beleza de versatilidade sertaneja tão louvada por Rosa que também deve ter conhecido o Galinha Tonta de São Francisco, que aprendeu a falar inglês, japonês e alemão nos sonhos ou a dona Pitú de Matias Cardoso que conta lúcida as histórias da seca de 1917. Eita que essa água do São Francisco, apesar dos pesares, está rendendo saúde e histórias.
“Bebo água de todo rio... Uma só, para mim, é pouca, talvez não me chegue. (...) Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. (...) Muita gente não me aprova, acham que lei de Deus é privilégio, invariável” (Grande sertão Veredas, 2001, p. 32)
(Em oficina, alunas registram as belezas da natureza e do povo de Manga. Foto: André Fossati)
Para quem “deu um dedo de prosa” com os moradores mais antigos de Matias Cardoso ficou a certeza de que o autor em algum momento ou dimensão conheceu os personagens como as gêmeas Simiana e Maria que estavam na primeira fila da sessão de cinema de da cidade.
Depois dos filmes, em um bate papo com a equipe do Cinema no Rio elas tentavam explicar a idade. “Naquele abril, sabe? A gente fez 90 anos. Agora nesse último abril que foi esse ano, a gente fez 74.” O ano é o de menos, o que interessa pra gente é o causo. “A gente veio pra cá no ano da fome, você lembra? A gente era criança. “Minha mãe trouxe nós duas assim, uma enganchada do lado e a outra do outro. Um dia Maria caiu na moita, mas eu fiquei bem agarradinha”, explica uma das senhoras falantes e cheias de gestos. “A gente comia fruta do mato e os peixes que o pai pescava no rio, quando ainda tinha peixe bastante”. Hoje o peixe acabou.
— Mas as senhoras ainda vão ao rio?
— Todo dia a gente pega a água lá.
— Para quê?
— Pra beber, pra lavar roupa, para cozinhar. A gente não gosta da água da Copasa porque é muito branca!
Entre uma história e outra, cantavam músicas, entoavam orações com os braços erguidos para a Igreja São Francisco e rodavam as saias sempre sincronizadas.
— As senhoras vêm muito à igreja?
— Sempre! O novo padre é uma beleza. Ele abraça a gente! Você conheceu o outro? Aquele Deus há de me perdoar.
(Foto: Inácio Neves)
E continuavam rodar embaladas por “Mulher Rendeira”.
— “A gente gosta muito de cantar, de festa. Quando não tem festa a gente não está ‘sastisfeita’”, conta Maria.
— Então canta mais uma:
— Ah leke, leke, leke, leke. Leke é gostoso, né???
Beleza de versatilidade sertaneja tão louvada por Rosa que também deve ter conhecido o Galinha Tonta de São Francisco, que aprendeu a falar inglês, japonês e alemão nos sonhos ou a dona Pitú de Matias Cardoso que conta lúcida as histórias da seca de 1917. Eita que essa água do São Francisco, apesar dos pesares, está rendendo saúde e histórias.
“Bebo água de todo rio... Uma só, para mim, é pouca, talvez não me chegue. (...) Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. (...) Muita gente não me aprova, acham que lei de Deus é privilégio, invariável” (Grande sertão Veredas, 2001, p. 32)
Por Camila Fróis
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