segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Tocaia



“Corre! Esconde lá no meio do mato. A gente não sabe quem está vindo naquele caminhão”, gritou Inácio. Era noite e só a luz do farol para iluminar aquela escuridão e a lanterninha do meu celular também, que eu acendi antes de sair correndo para o meio do mato. Estratégia fracassada, fui descobrir logo depois, já que se a idéia era me esconder, aquele feixe de luz indicava claramente onde eu estava. Saindo de Malhada na Bahia para Manga já em Minas Gerais, havia muitos caminhos possíveis. Pegar asfalto, ir pela estrada de chão, uma parte de chão e outra de asfalto. Escolhemos seguir pela estrada de chão e cortar caminho. A poeira era tanta que foi inevitável. O carro caiu em um buraco e ficamos no meio da estrada, bem perto de Manga.

As tentativas para desatolar o carro foram inúmeras. Tirar a areia debaixo do carro, fazer uma alavanca com um pedaço de pau para tentar tirar a roda da frente, procurar pedra para colocar em baixo da roda. Tentei controlar meu ceticismo. Nunca vi essas estratégias funcionarem na prática. Eu não entendo nada de carro, mas já previa que nada disso iria dar certo. Fiquei procurando pedra, no escuro, observando as estrelas e as constelações que naquela escuridão toda estavam bem nítidas. Com tantas estrelas aparecendo, acabei tendo dificuldades em identificar a constelação de escorpião. Minha letargia foi interrompida com os gritos do Inácio. Eu era a única mulher na equipe e deveria me esconder, já que ele tentaria ajuda com o caminhão que apareceu repentinamente naquela estrada deserta.

Eu saí correndo com minha lanterinha de celular. Inácio, Fernando e Alex ficaram esperando. Estranhamente o caminhão parou. Inácio sem paciência foi em direção deles. Só ouvi a discussão. Amarraram uma corda para puxar o carro, mas a corda rebentou. Como não havia passagem para o caminhão, o jeito era dar carona para Inácio até Manga para ele pedir um guincho.

Enfim, pude voltar para perto do carro e continuei a identificar as poucas constelações que aprendi há muito tempo atrás. Preferi não me preocupar muito com a situação e me preparar para, quem sabe, passar a noite ali na poeira mesmo. Alex parecia tenso, mas também acabava de sair de sua região para seguir para Belo Horizonte. Devia, naquele momento, estar pensando na besteira que cometera em ir para Minas com o pessoal do cinema.

Deixaram Inácio na entrada da cidade. Ele achou um taxista que se prontificou em ajudar. “Eu sou do Projeto Cinema no Rio São Francisco. Você conhece?”, perguntou Inácio. “Claro. Já levei um pessoal no aeroporto de Montes Claros, acho que o ano passado", respondeu. Inácio se lembrou na hora, ele lavara seus amigos que desceram um trecho do São Francisco dentro do barco. “Vem cá que eu arrumo um guincho para você agora”, respondeu o taxista. O dono do guincho era de Janaúba. Inácio foi a viagem toda citando nomes de conhecidos da cidade e dos lugares que já havia feito seção de cinema. O dono do guincho conhecia todo mundo também. Ficaram amigos.

Ligamos o som do carro, enquanto esperávamos Inácio voltar. Alex perguntou se não tinha um reggae. Eu queria ouvir rock. Para agradar todo mundo, Fernando colocou Bob Marley. Conversávamos sobre as angústias de quem acabava de sair da faculdade. Fernando tem mais tempo de formado, mesmo assim com suas preocupações. Alex ficava só olhando, aquelas aflições não faziam muito sentido para ele que preferiu não seguir adiante com os estudos.

No auge da conversa, chegou Inácio e seu novos companheiros. O taxista era entendido de carro. Rapidinho achou o lugar e o nó preciso para amarrar no guincho. Uma pena foi vê-lo sujar a roupa que estava tão limpa. Ele olhou pra gente e começou a rir. “Vocês tão parecendo Tatu”. A gente não achou muita graça... nos esforçamos tanto tentando tirar aquele carro do buraco, coisa que ele resolveu em menos de cinco minutos. Na hora de ir embora, eles não quiseram cobrar nem um centavo. “Como assim vocês não vão cobrar?”, perguntou Inácio “Vocês são do Projeto Cinema no Rio, não precisam pagar nada”, respondeu.

Inácio pagou uma cerveja para eles. Depois comentou comigo sobre o medo de que o serviço saísse caro. Afinal, ele teve que tirar o pessoal de suas casas. Mas eles pareciam mesmo muito felizes em ajudar. E Inácio muito contente pelo reconhecimento que o projeto tem nas cidades por onde passa. O taxista e o dono do guincho beberam num bar à margem do São Francisco. O pessoal do caminhão que deu carona para Inácio estava lá também. “Por que você saiu correndo com aquela lanterna para o meio do mato?” me perguntaram. A gente quase morreu de susto, achei que estavam armando uma tocaia. Por pouco não viramos o caminhão e saímos correndo”, comentaram. Ainda bem que não fizeram isso, pensei. Por pouco minha lanterninha não estraga tudo!

3 comentários:

  1. Tinha que ser vc para por tudo a perder, hein, Pâmilla, rs!

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  2. Eu imagino ela nessa de esconder-se/emprestar a lanterna. Se você não contasse, a gente não acreditava.

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