terça-feira, 31 de agosto de 2010

A questão quilombola no Brasil


A antropóloga Fernanda de Oliveira acompanhou a segunda etapa de pré-produção do projeto Cinema no Rio São Francisco. Aqui ela deixa algumas de suas anotações e impressões.

Cadê o rio que está ali? A empresa come
A represa come
A bruteza come
O Homem (des)come...

Matias Cardoso

Na porta do seu bar, buscamos senhor Francisco. Ele sabe o rumo do Quilombo da Lapinha, lugar pretendido como tema do vídeo desse ano, em Matias Cardoso. Vídeo que vai ser exibido na sessão de cinema, no mês de setembro, na sexta edição do Cinema no Rio São Francisco.

Conta do velho Matias, que nomeia a cidade, do conseguinte Januário Cardoso, “do povo escravo que construiu tudo isso aqui”. Conta do Quilombo da Lapinha, de cujo grupo familiar, ele mesmo também faz parte, apesar de não aderir à luta pela terra que o governo ainda não tem garantido ao seu povo. Até onde ele alcança – na memória e na vivência - os quilombolas sofrem bastante nesse território mal dividido que é a questão agrária brasileira, e o povo da Lapinha vive na terra há muitas gerações, trabalhando em lavoura de vazante e encharcado, batalhando uma sobra na vida pro sossegar da família em crescimento.



Quilombo da Lapinha

A poucos quilômetros da sede do município, o Quilombo da Lapinha conquistou a certificação pela Fundação Cultural Palmares, como Comunidade Remanescente de Quilombo, em 2006. Desde antes vêm lutando pela terra, ocupada tradicionalmente, e tradicionalmente ameaçada pela cobiça dos únicos sujeitos reconhecidos e promovidos pela também tradicional política econômica nacional: os proprietários, em sua maioria brancos; em sua maioria poucos; donos de muito mais terra do que podem semear.

Fomos recebidos por Antônio Fernandes – o Buqueirão – e Maria Aparecida – a Dinda - que breve reuniram poucas famílias presentes àquela hora do dia – hora do trabalho na terra, na várzea e na ilha.

Seria angustiante se não fosse ainda mais bonito ver a força desse povo “corajudo” conforme se auto qualificou dona Dorotida, anciã e benzendeira da comunidade. Povo corajudo e organizado no sentido da luta pelos seus direitos profetizados na Constituição Brasileira.
O artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 (ADCT) estabeleceu que:
“Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.”

Pra mostrar por quê vive e a que se dedica essa gente alerta, Dinda investiu numa demonstração do Batuque – divertimento comum entre afrodescendentes rurais, marcado por toque de caixas e um samba em roda – fazendo folia e nos fazendo felizes em poder registrar tanta força vital, quilombola.

O Batuque é “de geração dos bisavôs”, informou o Antônio. Através desse tambor “é que dá força pra gente, na luta”, reforçou a Dinda.
Cercados por reservas ambientais e reservas capitais de proprietários privilegiados pelo esquema nacional, o povo da Lapinha segue na luta, contando já com apoio da Universidade Federal de Montes Claros, da Pastoral da Terra e do Direitos Humanos, segundo Antõnio.

“Nós somos Quilombo
Nós somos pra lutar
Sou filha do Quilombo
Que sabe Batucar”

Prossegue – rompendo estradas - essa força do Quilombo da Lapinha...E para quem se interessar mais pela questão quilombola no Brasil, alguns sítios eletrônicos onde encontrar informações importantes:
www.koinonia.org.br/oq/
www.cedefes.org.br/
www.cpisp.org.br

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