terça-feira, 28 de setembro de 2010

A feiticeira dos santos

André Fossati

Lavadeiras na beira do rio. Contrariam a profecia, lavam roupa no dia de sábado. Dona Maria passa o ramo, canta cantiga da mulher rendeira, conversa com o papagaio. A igreja é antiga, traz a tona a memória do passado. O líder quilombola conta as origens de Matias Cardoso enquanto escuto as risadas descontroladas do bêbado da cidade. Ele se contorce, conversa sozinho e dá gargalhadas ouvindo nossa conversa séria. No meio de tudo, um casamento compõe a cena. A noiva era belíssima e caminhava até a igreja com seu vestido de cauda longa.

O dia em Matias Cardoso foi de coincidências mágicas. Um dia de acontecimentos que parece cena de filme desconexo. Nessa cidade mística à beira do São Francisco, as casas são coladas. Não se sabe onde começa e termina. As paredes geminadas e as cores vivas têm o papel de distinguir um lugar do outro. Caminhávamos a passos lentos, o silêncio era para compreender o que a razão não alcança. “Foi Deus quem mandou vocês aqui. Vocês não me conhecem como me encontraram?”, pergunta Maria.

Ouvimos alguém cantar, nos aproximamos. Ela cantava e dançava na rua. Chegamos perto e mostramos interesse. Dona Maria nos convida para entrar. A casa é empoeirada e cheia de animais. Maria divide sua morada com muitos cachorros, galinhas, gatos e pintinhos. Seu grande companheiro é o papagaio que parece conversar sem imitar ninguém. Ele pede um café e Maria toma num copo junto com o papagaio. Adornando a pequena casa, muitos quadros de santos e imagens sacras. “Vocês vieram passar o ramo?” Não entendemos a pergunta. “Já sei vocês são crentes”, conclui.

Dona Maria se desculpa pela sujeira. “Não varri a casa ontem, por que não se pode varrer dia de sexta. E se você varre os passos de alguém nesse dia, essa pessoa nunca mais volta”, conta. Ela se preocupa com as roupas sujas. Não se lava roupa dia de sábado. Sábado é dia de Nossa Senhora. Ela conta da mulher que desrespeitou a profecia e ficou pregada na beira do rio. Quando termina o caso, as lavadeiras que conversávamos anteriormente sobem a rua. Elas é que não sabem o risco de desrespeitar a profecia.

A gente conversa sobre o dia de Nossa Senhora e no mesmo instante assistimos uma comitiva caminhando pela cidade com o estandarte da santa. Elas param na porta de Maria e pedem uma oferenda. Maria procura o que tem em casa, mas não encontra nenhum saco de farinha, feijão, fubá. Procura cinco reais e não tem. A gente tira uma nota, entrega para a comitiva e Maria dá um sorriso. A sua conversa prenuncia os acontecimentos.
Amanda Horta


As profecias

A fala de Maria é desconexa misturando as profecias com os casos e fatos do cotidiano. Difícil achar uma linha de raciocínio entre seus relatos de magias e interdições. “Isso é do tempo velho. Eu e Simeana não somos de hoje”, reflete. Ela fala da irmã gêmea o tempo todo. “Mãe trouxe nós a pé e com fome. Uma do lado e outra do outro. Do rio verde do Grutuba para cá.”

“Eu estudo na EJA e Simeana fica danada. Simeana não sabe assinar o nome, como é que vai votar?”, pergunta. Foi só quando vi a foto das duas gêmeas que acreditei que Simeana era de verdade. É que depois da rodeação da fogueira em dia de São João é possível saber se existimos. Depois da roda, é hora de ir para a beira do rio e ver seu rosto refletido. Se não, é sinal que já morreu. Nesse momento eu já estava enfeitiçada com a magia de Maria.

O Vicente está secando. Pagando o preço de uma existência de maldade. Maria nos conta do finado Joaquim, seu marido e custo a entender o acontecido. Entre as magias como a terra de cemitério e a irmã que vomitou passarinho, ela conta que Vicente entrou em sua casa e fez o que quis com ela. Depois correu para Joaquim: “Você vai casar com ela? Maria não é mais moça”. Casaram-se e hoje Maria exibe o quadro com a madrinha e o Marido. “Eu não tenho mais ninguém. Mãe, Marido. Todo mundo já morreu”, comenta.

Ela conta tudo enquanto procura o ramo para rezar a gente. “Desde que chegaram eu senti que estavam precisando”, comenta. Primeiro Amanda depois eu. Com as mãos abertas para abrir o corpo, Maria reza enquanto passa o ramo. Depois da reza as folhas estão murchas, é por causa do olho gordo. Antes de ir embora, Maria reza de novo. A benção é para fechar o corpo e impedir que as más energias nos invadam novamente.

Um comentário:

  1. Oi, Pâmilla. Bem legal os textos. Parabéns.

    Estou precisando de algumas informações sobre as fotos e o vídeo que o Inácio me passou. Tem como pedir pro ele ou o Rangel entrarem em contato comigo, assim que der, por favor?

    abs,
    Rodrigo - Petrobras

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