segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O boi Jesus

André Fossati




Iara, carranca, jacaré, caboclo d'água. As praças de Itacarambi são todas personalizadas. Na praça principal, os bichos e encantamentos do rio. Na outra, em homenagem aos pescadores, a praça dos bancos. Banco dos solitários, banco dos namorados, intelectual, da família, dos moderados. Cada banco é personalizado e colorido. Lá a sua condição de existência faz escolher aonde sentar.

Em Itacambi, cinema é dia de festa. A tela foi montada na quadra de futebol contornada pelas arquibancadas. A trave de gol e os holofotes do cinema. A região é cercada pelos bares, lanchonetes e carrinhos de cachorro quente. Na hora de começar, Inácio teve a ideia de passar um filme surpresa para chamar as pessoas. Ele exibiu "Os filmes que não fiz". A ideia funcionou.

A amplitude do lugar que poderia parecer vazio, imediatamente ficou completa. As pessoas tomaram as arquibancadas, lotaram as cadeiras. Muitas assistiram o filme em pé e outras aproveitaram da mordomia dos barzinhos em forma de quiosque. Outras transitavam de um lado para o outro. Fotografavam, conversavam e assistiam o filme. Uma bricolagem de pessoas, lugares, cenas e personagens encantados. Depois da chamada inusitada do filme que não estava na programação, a abertura da sessão. "Boa noite Itacarambi", dessa vez não foi preciso repetir a saudação: "Um boa noite mais animado", por que as vozes vieram de todas as partes com grande amplitude de som.

Pâmilla Vilas Boas /Cris Barakat



As crianças tentam subir na mula sem cabeça, mas não chegam muito perto do caboclo baixinho com olhar que mete medo. Na praça da cidade, elas vivem o encantamento. A tela inflável está no meio de tudo. Dentro do campo de futebol, no meio do rio, na frente da carranca. Uma mistura de elementos que parece com o sincretismo da manifestação do boi de reis. No dia da apresentação do boi de reis, depois da morte do boi, chegam os animais encantados da folia. Na folia eles estão móveis e são ressignificados com as mudanças que a tradição sofre com o tempo. Na praça, os animais encantados estão fixos, parados e imutáveis.

A festa de boi de reis é a mais esperada na cidade. Quando o vaqueiro mata o boi, a Dona Maria que é quem puxa a folia, ela canta: “Mataram meu boi”, chega mais perto e pergunta: “Quem matou meu boi?”. Ela faz a propaganda e corre atrás do vaqueiro que faz o boi ressuscitar. Depois dessa cena que parece com a ressurreição de Jesus Cristo entram os bichos encantados. Tamanduá, ema, a derradeira e a fera. Luiz Caipora é uma cabaça. Cada bicho tem uma história, uma dança, uma cantiga e a hora certa de entrar na roda.

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