quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O que chamamos de silêncio



Seu Totó se lembra perfeitamente do código Morse do telégrafo. O linha-ponto-linha transmitia mensagens importantes, antecipava barulhos e era a comunicação da importante Carinhanha, rota de passagem entre Minas e Bahia. Seu Poliondas é capaz de ouvir, reproduzir, imaginar e recontar os barulhos em Carinhanha, o dia em que coronel Duke retomou o poder na cidade juntamente com Getúlio Vargas. Dona Zetinha cantou os apitos em Pirapora. Cada embarcação tinha sonoridade própria, uma mais grandiosa, soberba, grave, alegre. Era assim que as pessoas sabiam quando alguém estava para chegar. Era assim que a cidade se movimentava e lotava os portos a beira do São Francisco.

A família marolinha vive colhendo frutos de cerrado.Tem hora para colher, hora para descascar o baru e as cantigas durante a dura jornada da família. Seu Tezinho é o celeiro de Manga. "Meu mestre foi a precisão, o que me fez aprender meu ofício", avisa. Ele também foi pescador e nos conta de um rio do passado: "Dava umas arribada de peixe que chegava a trovejar. Hoje não tem uma piaba, por isso não pesco mais".

Todas essas histórias estão lá guardadas na memória que um dia se apaga como tudo que não sobrevive para sempre. A oralidade é o registro mais comum em muitas comunidades a beira do São Francisco. Mas uma coisa me angustiava, o silêncio não pode ser compatível com tanta riqueza.

O silêncio na rua de Carinhanha, o silêncio da televisão no quilombo Tomé Nunes me fez lembrar da frase de Clarice: "O que ouvimos e chamamos de silêncio?" Será que essas histórias permanecerão nas comunidades se aparentemente os mais jovens ou se a própria comunidade parece não escutar tanta memória? Mesmo assim todo esse imaginário grita e constrói a história dessas cidades. É o lastro, a origem de um universo que é único em cada uma dessas cidades que margeiam o São Francisco.

Um comentário:

  1. É um desafio: como escutar tanta memória? Como fazê-las sobreviver, ainda que não junto de cada um que a produziu? O que vocês fazem pelas margens do São Francisco é um pouco disso, Pâmilla...

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