segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Ilha perdida no tempo



Peço para Arnon Siqueira escrever seus pensamentos. Ele fala com emoção, mas de um jeito que não se entende. Sentei no meio fio durante a sessão de São Romão para observar a reação das pessoas. Para descrever semblantes, sorrisos e olhares durante o filme da cidade. Tudo pela minha fixação por perceber outro no seu espelhamento na telona. Arnon estava ao lado e não se incomodava com minhas perguntas. Tentei me acostumar com os sons que o problema na fala impede a distinção, mas minha capacidade foi pouca e entreguei a escritura.

“O filme divulga com emoções
As culturas das nações
Vamos ao cinema ver nossa arte
E a arte feita pela natureza”

Esse é um trecho que Aron escreveu no meu caderno. Apaixonada que sou pela oralidade, tive que sentir o espírito de palavras tão espontâneas. Pedi pra que ele escrevesse o que dizia, só para que pudesse fazer sentido na minha cabeça.

“Fim. Arnon Siqueira. São Romão. 17-09-2010”.

Cadernos

São Romão respira história que é escrita até hoje. O artista Telêmaco devorou os livros e conta tudo desde o começo. São Romão era cidade próspera, em 1719 já era sede judiciativa de Salvador. Com o tempo foi perdendo a força e rebaixada a vila. Como herança, Telêmaco, com seus 40 anos, se lembra da juventude e dos clubes da cidade que eram separados entre negros e brancos. “Sempre fui metido a sabedor”, diz. A casa de Telêmaco é de adobe e ecologicamente correta. Seus quadros com traços livres e subversivos refletem alguém que vive na “Ilha perdida no tempo”, como ele mesmo diz.

Essa ilha tem suas preciosidades, que infelizmente o tempo não perdoa. Para entendermos a tradição, Dona Maria do Batuque deveria viver para sempre. O seu toque de caixa inspira demais a gente, ainda que ela não tenha consciência. Sem ser valorizada pela cidade, mas muito reconhecida no mundo estrangeiro, ela mostra o livro e o CD gravado por quem veio de muito longe.

Uma casa foi construída com dinheiro da venda dos livros. A casa nova fica trancada, ela mora da antiga feita de terra. A construção atual é mesmo para receber os visitantes. Quando chegamos, ela procurou a chave e pediu desculpas por está tudo empoeirado. Pediu para buscar o roncolho e duas caixas. Ela pegou a mais grave e eu tentei acompanhar na mais aguda. Com vergonha de que meu som pudesse interferir na magia de ver Dona Maria bater caixa e cantar as melodias dos antigos, tudo ao mesmo tempo.

2 comentários:

  1. ohh São Romão! Terra de gente boa, terra de braba, forte e valente. Dia de emoção ouvindo Dona Maria e seu roncador. Adorei o texto, Pâmilla. Já estou com saudades de tudo.
    Abs. Pedro

    ResponderExcluir
  2. Oi Pedro!

    Que bom que vc gostou.. São Romão dá saudade mesmo, a vontade era ficar o dia todo ouvindo Dona Maria

    Abração

    ResponderExcluir