quinta-feira, 9 de setembro de 2010

ver com os ouvidos



“A minha maneira eu vejo, com o coração e o ouvido. O que eu não consigo entender Denise explica.” Ningo vendia laranja, juntava dinheiro e gastava no cinema. Antigamente, em Felixlândia, quando o cinema era dos ciganos, ou funcionava na paróquia da igreja, Ningo ainda tinha sua visão. Assistia cinema com os olhos, se encantava com as imagens em movimento. Hoje, durante a exibição de cinema na praça de Felixlândia, a sensação é outra. Ningo já não assiste com os olhos, ele aguça os ouvidos, imagina as imagens, e conta com a ajuda da esposa que em momento nenhum deixa de segurar suas mãos.

Quando tem muita fala, quando a narrativa é rápida, Ningo vai criando tudo em sua mente e compreende melhor o filme. Mas quando o diálogo é pouco, quando as imagens duram, ele pede a esposa para descrever tudo. É nesse exercício de oralidade que Ningo vai montando seu próprio filme. Assim ele reinventa uma nova forma de estar no mundo, depois do acidente que o fez enxergar tudo de outra forma.

Conversando com Ningo antes da seção de cinema, seu Neguinho vai dando detalhes da época em que os ciganos exibiam cinema na cidade. Talvez seja a itinerância do Cinema no rio que tenha suscitado essa época quando o cinema era como o circo, chegava e movimentava a comunidade que se preparava para o evento. “Na época custava cinco cruzeiros, o que equivale hoje há 50 reais. Era caro, mas a gente juntava dinheiro e não deixava de ir”, comenta. E seu Neguinho tava lá na praça antes da seção começar. Atento a todos os detalhes e à movimentação que os “ciganos” do São Francisco provocam nas cidades por onde passam. A tela inflável provoca curiosidade, a pipoca de graça, cadeiras e o projetor vão tomando conta da praça na frente da igreja. Magia capaz de envolver quem passa por ali.

“Você sabe qual é a cidade que acabou antes de começar?” pergunta Neguinho em referência ao curta metragem “O Jumento Santo e a Cidade que Acabou Antes de Começar” que foi exibido no dia. Ninguém soube responder e Neguinho se gabou do fato de ser analfabeto e conhecer tanta coisa nesse mundo.

De volta à magia

Desde 1968 que o cinema deixou de fazer parte do cotidiano de Felixlândia. A secretária de cultura da cidade, Leidélia, se lembra da época em que o cinema ficava num galpão perto da sua casa, logo quando ele deixou de se localizar na paróquia da cidade. “A gente subia no basculante para assistir os filmes. Um único filme chegava a ficar meses em cartaz, por isso a gente assistia o mesmo umas cinco vezes”, lembra.

Ainda apaixonada por cinema, Leidélia insistiu até conseguir voltar com o cinema para a cidade. Através do projeto Cine mais Cultura do Ministério da Cultura, ela conseguiu aprovar um projeto para criar um cineclube em Felixlândia. Ela comenta sobre o despertar que o projeto Cinema no Rio teve para a iniciativa de criação do cineclube. “Todo mundo está confundindo o Projeto Cinema no Rio com o Cineclube Feliz Arte”, comenta. Confusão boa, que pode fazer o cineclube lotar de gente da mesma forma como a praça da cidade.

5 comentários:

  1. Oi Pâmilla.

    Conheço o trabalho de voces e o acompanho, pois sou ribeirinha também. Quando estiver em Buritizeiro, apareça!! Sou do Amores no Velho Chico e anteriormente fiz contato com seu pessoal pra aliarmos as idéias. Sempre é bom somar, não é?

    Parabéns pelo post. A forma como escreve mostra o encantamento com que se envolveram na idéia. E isto é pra lá de bom!!!

    Valéria Mello

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  2. Uma magia, o encanto que proporciona ao povo do Velho Chico!

    É fazer renascer o simples e o belo no coraçao desta gente!!!

    Ah, sim, com direito a pipoca e tudo, né?

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  3. O cinema traz um encantamento para as comunidades ribeirinhas e essas comunidades nos encantam tambem com tanta historia e tanta memoria. Tudo isso regado com muita pipoca!!
    Parabens pelo projeto e pela iniciativa de voces.

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  4. Ola Valeria!!
    Fico muito feliz por ter gostado do texto e que bom que isso demosntra nosso envolvimento com o projeto.

    Hoje estaremos em Buritizeiro e seria bacana nos encontrarmos para eu conhecer melhor o projeto de voces.

    Abracos,

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  5. Que bonita a sensibilidade do Seu Ningo...

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